terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O Curioso Caso de Hurbinek

Fitzgerald torna-se filme, pelo seu livro O Curioso Caso de Benjamin Button, de 1922, com Brad Pitt como o personagem principal. Uma criança que nasce velha e se torna criança na velhice. Me fez lembrar Primo Levi, na sua homenagem ao pequeno Hurbinek, uma criança de três anos que sobreviveu por poucos dias após a chegada dos Russos no campo de concentração em Auschwitz, no relato de seu romance Se este é um homem.
Filho da morte, Hurbinek foi uma velha criança na concepção da sua própria personalidade. Forte, incisivo, deixou de lado os prognósticos mórbidos de qualquer sobrevivente dos campos alemães. Nasceu fraco, paralisado dos rins para baixo, sem falar, sem chorar, sem emitir qualquer ruído sequer de uma pura necessidade à vida. Seu choro era pelos olhos. Levi conta que Hurbinek possuía olhos terrivelmente vivos, plenos de perguntas, para desencadear vontades e de romper a tumba do mutismo.
Seu nome foi dado, diz Levi, por alguma enfermeira que escutara seus curtos grunhidos, sua forma tosca de falar e dizer alguma coisa nada agradável sobre o mundo que lhe foi destinado. Sua emergência em sobreviver estava se exaurindo, quando Levi encontrou-o em uma das centenas de salas de enfermaria, junto com mais de cinco mil judeus sobreviventes de Auschwitz.
O olhar de Hurbinek era maduro, diz Levi, selvagem, que ninguém ali conseguia sustentar. Olhos velhos, maduros. Hurbinek vencera a morte, com seqüelas intermináveis, havia perdido o corpo que o pariu e que alguém ali lhe dizia ser o cadáver de sua mãe. Talvez Hurbinek tenha tido a infeliz necessidade de prover toda a energia do corpo alheio para, então, ter à sua, a própria força capaz de sobreviver.
Com a pele rota pelo frio, fome, os nervos quase saltando da epiderme, Hurbinek tinha por todos na sala da enfermaria a compaixão por um velho indo embora. Sua feição era a de um ancião no corpo de uma criança mal tratada, desnutrida, sofrida e moribunda. Cada olhar de resguardo, cada prato de comida, era dado como o último alento a um senhor sofrido e cauteloso, que esperou paciente e prudentemente pela morte.
Hurbinek falou um grunhido identificável até a sua morte. Ninguém na sala de enfermaria soube ao certo dizer se era algo parecido como “mastiklo”, o que em polonês poderia ser fome, comida, pão. Algo assim era dito numa língua de alguns sobreviventes Boemios, diz Levi. Exibia, sem saber, com orgulho sua tatuagem feita pelos alemães com seu número de identificação, com contagem pouco acima de 200 mil. Isso significava que ele chegara ao mundo, e à Auschwitz, bem próximo dos franceses, que tinham os números acima do 200.001. Hurbinek morreu nos primeiros dias de março de 45, sem que ninguém conseguisse identificar o que grunhia. Seu corpo velho de criança com tatuagem numérica fora enterrado ali mesmo na área da enfermaria, próximo da vila Buna-Mònowitz, um conjunto de milhares de blocos de apartamentos de três andares totalmente deformados pelos bombardeios.
Como o personagem de Fitzgerald, Hurbinek é a fábula de Auschwitz, assim o vejo. Se sobrevivesse, Hurbinek talvez fosse capa de alguma revista da década de 50, 60. Quando jovem, contaria como passou seus primeiros três anos de batalha pela vida contra a morte nos campos de concentração. Seu apelo seria mais um dos encampados pelos judeus e mortais viventes contra as atrocidades dos nazistas. Talvez até Fitzgerald se assustasse com tamanha coincidência e, nas edições seguintes, faria os ajustes necessários em seu romance para a devida homenagem.
Mas Hurbinek foi omisso com tudo isso, e viveu apenas para lembrar que a morte era algo a ser vencida a qualquer custo em Auschwitz.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Frases interessantes de músicas imbecis

Nem sempre o que a vida me pede, é aquilo que a vida me dá.
Frase interessante, da música imbecil do Charlie Brown Jr.

Live or Exist

per che qui?
per che ora?
per che no?
(...)
live or exist.

A metafísica do diálogo

- que foi?
- ela... de novo...
- que tem ela?
- ah... apareceu, de novo... me viu, eu a vi...
- se falaram?
- como assim?
- vocês dois, se falaram... conversaram... ou foi só no olhar mesmo...?
- não... foi uma conversa daquelas, viu... conversa difícil...
- como assim?... brigaram?
- não... que isso!.. a gente conversou...
- tá.. mas o quê?... falaram sobre tudo o que aconteceu?
- falamos... quer dizer... eu falei mais né... sabe o jeito dela...
- não se abre nem a pau, né?!
- é... fechada...
- tá... mas enfim... falaram... e sobre o quê?
- sobre a gente, ué... sobre essa situação esquisita...
- que situação?... de vocês terminarem?
- também... eu acho que é...
- mas como acha que é?... cê não falou com ela?
- falei...
- então... não tem de achar nada... tem de ter certeza... sobre pelo menos o que vocês falaram...
- eu tenho certeza... quer dizer... sei lá...
- como sei lá?!... como sei lá?!... me diz, como sei lá?!
- oh... calma...
- ah... vai se fuder!! cara lerdo, estranho... não é a toa que ta sozinho...
- quem... eu?
- nossa...

Michel Melamed

Eu podia estar mantando, roubando, mas não... estou aqui, escrevendo este blog... Homenagem à Michel Melamed e seu blog desconcertantemente bom...

www.michelmelamed.com.br

Seu Jorge

- ... vamos...?
- ... aonde? Aonde?
- Calma... pra minha casa... a gente fica lá...
- Sozinhos? Eu e você?
- Ué... lógico... sussa... ficamos lá tomando alguma coisa, ouvindo música...
- Mas que música? Tomando o que?
- ... vinho... Ouvindo Seu Jorge...
- Quem?
- Seu Jorge... não conhece...?
- ...
- ... Carolina é uma menina bem difícil de esquecer...?
- Quem é Carolina?
- Nossa... é a música, cacete... a música do Seu Jorge...
- Grosso... tenho que adivinhar?
- Você é muito afobada... intempestiva...
- Tá dizendo agora que eu to nervosa de ir na sua casa?
- Parece... parece que você ta com medo de ir lá...
- Tá me chamando de virgem? Você acha que eu sou virgem?
- Ou... calma... estress...
- Fala!... O fato de eu ser virgem ou não mudaria alguma coisa?
- Eita, mulher, calma... muda nada não... (vou comer você do mesmo jeito...)
- O que você disse?
- Nada! Calma... Falei que vou curtir do mesmo jeito...
- Pensa que eu sou tonta...
- Pára vai... vamos... tomamos um vinho... ouvimos outra coisa...
- Jack Johnson? Tem...?
- ...
- Onde você vai?
- ...
- Estúpido! Ridículo! Grosso!
- ...

Jack Johnson

- Que isso?
- Que ta tocando?
- ... é... que isso?
- Louis Armstrong, por quê?
- Há, sei lá... vamo ouvir isso, agora?
- ... ué... é música...
- Não... isso é um cara tocando corneta...
- Trompete! Tocando trompete!
- ... que seja, meu amor... trompete...
- ... e você acha o som ruim?
- ... irritante... esse barulho dessa corneta me tira a concentração...
- .. pára com isso... primeiro que é trompete, segundo que jazz não é irritante!
- Nossa, como você é grosso!
- Nossa, como você é insensível!
- Se fosse insensível, não ouviria esse barulho dessa corneta...
- ...Trompete, porra, trompete!
- Que seja, trompete, seu grosso!
- Enfim... quer que eu tire a música?
- ...quero... amor... me tira a concentração...
- E deixa sem música?
- Não... coloca Jack Johnson...
- ...
- Que foi?
- Nada, vou colocar...
- Te amo...
- Eu também...
- Mesmo eu odiando a música da corneta...?
- Nossa... vai tomar no cú...

Al Prete

Publicada em 22/05/05

Bar Al Prete, numa dessas ultimas sextas-feiras.
- Ciao, posso?
- ????
- Você é italiana, tem cara...
- Você não é italiano...
- Não, sou brasileiro.
- Braaaasiiiileeeeee...
- Isso, Brasile.
- Olha que cusia maise lindja, maise seia di grassa...
- Isso, é uma música brasileria, Garota de Ipanema, clonada de uma melodia jazzistica dos anos 40...
- Qual seu nome, Brasile?
- Meu? Flávio. E o seu?
- Francesca. Me ensina a dançar samba, Flávio du Brasile?
- Putz, não sei dançar samba. Detesto samba (santo padroeiro...)
- Carnevale, capoeira!!! Bahia de San Salvador!!! Favela!!!
- Olha, Francesca, desculpa mas preciso ir embora... Tá na minha hora...
- Ciao, Flávio du Brasileeeee!!!
(Desculpem, mas não tenho a mínima vocação pra Sub-delegado de relações da cultura Afro-brasileira...).

Sabe que meu sonho sempre foi ter uma biblioteca em casa...



http://www.flickr.com/photos/merkley/

Conselhos

Não seja trouxa.
Não tente querer amar.
Coisa besta, comprar corda pra se enforcar.
Então, faça melhor.
Caia logo na futilidade.
Seja medíocre, acredite no que vê.
Compre uma corda, sim.
Mas se enforque depois.
Antes, faça sexo arredio.
Goze, dê risada.
Evite o feijão com arroz.
Beba todas, dê vexame.
Fique mau e vá vomitar!
Não seja besta - evite ao menos.
Faça tudo sem rimar.
Enfim, vá viver, seu trouxa.
Aí sim, vá dizer "eu te amo".
Vá matar o que está te matando.

Uma casa, um quintal e um pé de chicória

Os melhores não têm convicção alguma, enquanto os piores estão cheios de intensidade passional. (Yeats)

Pego esse trecho de um poema do irlandês William Butler Yeats, pra tentar servir de mote ao que me atormenta, na ligeira vida do ser humano, eu incluso.
Lembro do tempo em que eu me revoltava na sala de aula, discussões de filosofia, primeiro ano de faculdade, universidade pública, essas coisas. Tudo parecia ser mais fácil, não nego, até pela singela falta de responsabilidade em tudo que fazíamos. Éramos espectadores dos professores, e nos dávamos ao luxo de discutir o impalpável, veja só, tolice boba, nesses tempos de mercados emergentes.
Hoje, me pego aos sábados escrevendo coisas impalpáveis como essas linhas, como um exercício de volta ao tempo. Falando nisso, Paulo Francis dizia que nós matamos o tempo e o tempo nos enterra. Nos tempos atuais, estamos na verdade esperando a pá de cal derradeira, porque simplesmente perdemos a noção de tempo e espaço do que viemos fazer nesse mundo. Desconfiômetro, com o perdão da palavra.
Se pudesse lançar mão de uma figura de linguagem aqui, seria a de um navio, ao mar, sem bússola. Estamos ao mar, e vemos somente o horizonte, aquilo que enxergamos à frente. E por incrível que pareça, precisamos de tudo menos daquilo que vemos à frente. Por quê? Porque o que vemos à frente quase nunca é o horizonte desejado, aquilo que traçamos quando começamos a navegar, quando saímos do porto seguro rumo à terra desconhecida. Esperamos o impossível, e vemos à frente algo como os poemas de T.S.Eliot, mais precisamente o que The Wast Land mostrou: desilusão, amargura, revolta. Mas, enfim, só se desilude quem se ilude, darling...
Não nego que somos transformados no cotidiano, que somos frutos do meio em que vivemos. Acreditar nisso é premissa básica de sobrevivência. Mas ao mesmo tempo, um pouco de discernimento e caráter intrínseco àquilo que temos como decência moral e ética não faz mal a ninguém. Sei que essas palavras andam meio desgastadas, mas enfim, só tenho elas, vocabulário escasso, admito.
Dou um teco no marasmo e ele me empurra rumo à ruína. Diariamente me deparo com estradas que nunca estivera no mapa, mas fazer o quê? Vou andando, parando quando canso, rumo a sei lá onde. Vejo que na verdade o destino final interessa tão pouco, mais vale mesmo é o que vemos durante a travessia.
Quando saímos pra navegar, rumo a mares nunca dantes navegados, vamos nos transformando em heróis, covardes, ilustres desconhecidos. Cabe a cada um julgar o que é necessário. Sabe aquelas máscaras de Veneza? Pois é... Quando saímos em viagem, nos dão várias delas e escolhemos durante a travessia qual usar, em determinado tempo, região. Se faz calor, usamos uma, se faz frio, outra. Pra festa colocamos a melhor. Pra brigar, falar asneiras, passar a perna em alguém, trapacear, temos uma outra lá, guardadinha...
E o barco vai andando, e vamos colocando coisas neles. Carros novos, a casa desejada (se der pra por piscina, vamos colocar ué...). E o tempo vai passando, nos enterrando. Aí, velhos, fazemos o impalpável novamente: pensamos, diagnosticamos nossas próprias vidas. Eu, do meu lado, não vejo coisa mais patética do que a conversa fiada de gente velha dizendo: ?meu filho, eu daria todo o dinheiro do mundo pra voltar e fazer de novo, aproveitar a vida, ter pensado menos em trabalho, ter passado mais tempo com meu filhos...?.
Ah, faça-me o favor. Nunca desejou isso. Absolutamente nunca. Mas o tempo vai comendo pelas beiradas, vai dando corda, vai deixando o barco andar. E não avisa que logo ali, o mar acaba e a terra principia. Sábios os que podem se contentar com o espetáculo do mundo. Dinheiro, e principalmente o dos outros, vicia. Esteja atento.
Eu tenho certeza que no final dos tempos vai aparecer um anjo, alado, em volta dele terá cheiro de Dama da Noite. E ele vai chegar rindo, da nossa cara. Vai olhar no meu olho, bater no meu ombro e dizer que no fundo, o significado da vida é uma casa, um quintal e um pé de chicória.
Não entendeu? O tempo vai mostrar pra você. De um jeito, ou de outro.

Despertador Metafísico

Um dia desses ainda tomo coragem
de chegar mais perto
de tudo aquilo que deveria ter sido
e não foi.
Um belo dia eu extrapolo,
a mais simples racionalidade da minha alma.
E deixo de lado esse meu lirismo estúpido.
E acordo, pra nunca mais
dormir.

Terapia vai custar barato depois de Hank Moody


Californication tem tudo para entrar para a história das sitcons. É simplesmente brilhante.
Para quem acompanhava o sisudo aturdido do Fox Murder, sempre querendo comer a agente Scully, agora pode se deliciar com uma das melhores imterpretações do verdadeiro cafajeste, garanhão, porra louca jamais visto na história da televisão. Sabe aquele cara que você sempre teve vontade de ser? Fala o que pensa, come quem quer, ganha seu dinheiro, escreve livros, fuma, bebe, veio de Nova Iorque e mora em Los Angeles a contra gosto. Quer vida melhor que essa?
Um roteiro brilhante, que beira a maestria - junto com Studio 60 - tem tudo para levar prêmios, fãs, bla-bla-bla.
Mas, na verdade, o que enche os olhos nesse seriado é que Hank Moody (David Dukhovny) é a personificação do nosso Superego, ou aquilo que sonhamos em um dia ser. Sempre soube que o cinema, a televisão só tem graça quando podemos projetar nossas vidas por minutos, horas neles, e depois desligar e voltar à realidade. Não quero uma televisão de auto-estima. Foda-se isso tudo. Quero uma televisão onde eu possa mandar à merda por meio dos personagem os meus chefes, mulher, filhos, casamento, dinheiro. Esvaziar o saco cheio de quinquilharias domésticas que o mundo coloca goela abaixo. Depois, eu desligo a tv e vou cuidar da vida, mais leve.
Hank faz isso para mim. Quando vejo ele agradecer por achar que sua filha virou lésbica e está à salvo de pilantras como ele (e ainda aumentar público feminino em casa), fico aliviado por ter alguém que fale isso para mim, já que nunca, nunca teria coragem de admitir isso.
Uma das melhores cenas do primeiro episódio é quando a sua filha encontra uma "lady", nua, na cama do pai. "Tem uma moça nua na sua cama. Ela não tem pêlo na vagina, isso não é um problema?". "Tá, vou ver isso". Simplesmente brilhante.
Ou quando ele vai na casa da ex-mulher, a convite da própria, que lhe quer arranjar uma nova namorada e se livrar das suas cantadas na frente do seu quase-atual-novo marido. No final do jantar, ele está transando com a dita cuja da amiga da ex-mulher, depois de fumar um baseado e ainda vomita no quadro caríssimo do quase-atual-novo marido da sua ex, presenciado pela própria ex, que mostrava a casa para os demais convidados.
Seria trágico, se não fosse a vontade de cada um que assiste em fazer aquilo tudo. Duvida? Olhe no espelho, sozinho, depois de um episódio de Californication e uma boa dose de uísque e tente negar.
A melhor série, do que um dia queríamos ter sido e nunca, nunca um dia seremos. Terapia vai custar barato, depois de Hank Moody. Uma série de encher os olhos.
Claro, a não ser que você casou virgem, só teve uma mulher em sua vida e nunca, nunca sentiu o cheiro de uma vagina (com ou sem pêlos) e lembrou de outra.
Aí, meu amigo, você precisa mesmo é se matar e tentar nascer de novo, melhorado.

Jornalismo tungativo

Guarde bem o nome desses dois países: China e Índia.
Agora, preste muita atenção quando eles vierem combinados em reportagens junto com o nome de um outro país: Brasil.
Essa combinação é vista com uma freqüência avassaladora na mídia nacional, principalmente quando o assunto é justificar o atraso econômico do Brasil. Precisa-se de um bode expiatório, lança-se mão de países grandes - como o Brasil ? com uma economia em crescimento - idem - mas de muitas diferenças - essas muitas vezes camufladas.
O celeuma foi levantado pela Carta Capital, desta semana, com a reportagem: "A Índia dos indianos". O autor: revista Veja. Os dois personagens: Brasil e Índia, ambos colocados lado-a-lado numa tentativa tosca de mostrar as qualidades de um, inflando as falhas do outro.
A Veja cantou a bola da Índia como "um país emergente considerado por muitos analistas mais promissor que a China". Mostrou, em gráficos e numa parafernália de dados estatísticos que o país de Gandi está hoje num crescimento do seu PIB (Produto Interno Bruto) seis vezes maior que o país de Lula, com reservas internacionais duas vezes maiores que o Brasil, e por aí afora. Mostrou ainda uma Índia rica em produção de prêmios Nobel, com alunos formados em alta tecnologia numa proporção oito vezes maior que o Brasil, e por aí afora.
Agora, nesta semana, com uma certa carga de deboche, a revista Carta Capital tentou tirar a prova dos nove, derrubando, com argumentos - um tanto quanto satisfatórios em alguns casos -, todas as megalomanias da Veja. Vamos a elas.
De cara, Carta Capital mostra que a Índia é o pior país do mundo para se fechar uma empresa, na frente, veja só, do Brasil. E continua. Mostra, através de dados, que o Brasil ainda respira um certo ar de liberalismo em termos de comércio internacional. Sua tarifa média de importação beira os 11%, ante os 28% da Índia. Esclarece a comparação de PIB em relação ao custo de vida, numa conta matemática que mostra bem o que sobra e o que não sobra para um país. A média do PIB de Índia e Brasil é equivalente: US$ 500 bi. Mas o custo de vida indiano é metade do brasileiro. O resultado é um PIB duas vezes maior, quando visto sob a ótica do poder aquisitivo.
Tá, tudo bem, mas aí entra um fator importantíssimo: o custo de vida na Índia é baixo porque se ganha pouco. Um exemplo? Um engenheiro de software americano ganha perto de US$ 75 mil. O indiano perto de US$ 21mil. Preço baixo e consumo interno garantido: 300 milhões de indianos considerados "classe média", segundo a Veja, com cerca de US$ 115 por mês de renda familiar e "padrão de consumo comparável à nossa classe C", segundo a Carta Capital. No final, um golpe fatal: o fundamentalismo religioso pode ser considerado como um grave risco dentro da Índia, não pela revista, mas por muitos analistas financeiros.
O que se tire de conclusão? Muitas, mas muitas coisas.
De um lado, a necessidade de não se acreditar em matérias de grandes publicações, simplesmente porque são grandes. Muitas vezes as "pequenas" possuem um poder de liberdade jornalística que salta aos olhos. Isso faz diferença, e muita. Do outro, a intrínseca necessidade de se generalizar discursos econômicos no Brasil: Índia e China viraram exemplos fáceis de potenciais grandes economias mundiais. Num jogo lingüístico espetacular o uso contínuo da expressão acabou por degolar o termo "potenciais" do resto da frase. O que ficou, engana.
Em quem acreditar? Em todos. Duvidando, de todos.
O maior exemplo disso é a relação incrível que se faz com o crescimento extraordinário da China, perto dos 9% ao ano. Um país de população beirando 1,3 bilhão de cabeças é muito provável que metade disso, talvez um terço, consiga dar cabo desse crescimento. Leia-se crescimento com mão-de-obra barata, subsidiada, gastando pouco - leia-se importando pouco (perto do que devia, lógico).
O resultado é um PIB nas alturas (US$ 1,2 tri), governo inflado com gordas reservas cambiais (US$ 383,9 bi) para manipulação mundial e uma população subsidiada (a maioria nos campos, vivendo com menos de US$ 2/dia). Tecnologia? Exportam bem, mas internamente a média é de 19 computadores para cada grupo de mil pessoas, trinta e duas vezes menor que nos EUA, o grande comprador de sua tecnologia. Outro item que salta aos olhos da pungente economia chinesa: de cada dez cabeças, pelo menos sete não possuem saneamento básico; além da incrível história do agricultor Liu Baocheng, condenado à morte por ter transmitido involuntariamente a Sars, a pneumonia asiática.
Por isso, leia até bula de remédio, quando a junção desses três países aparecerem numa reportagem. Com certeza, na maioria das vezes estarão tentando tungar o havido leitor.

Pressão



Traga sua dose de humor negro de volta e delicie-se.
Afinal, nem tudo está perdido.
Na bosta da desgraça, podemos rir disso tudo um dia.

Silvia Plath



Silvia Plath foi talvez a última voz poética do século XX, depois de W.H. Auden. Possuia um estilo cortante, seco, um verdadeiro sôco no estômago. Sua poesia se remetia única e exclusivamente a ela; fazia verdadeiros estragos literários com suas angústias, desilusões e com a falta paterna que lhe culminou numa depressão e insônia crônicas. Sua morte, num inverno terrível de 1963, foi alívio para ela e para os outros que a cercavam.
Foi casada e teve dois filhos com o poeta inglês Ted Hughes. Como se conheceram, flertaram e acabaram se casando, daria só aí um romance daqueles. Resumindo, ela "teimou" com o poeta e fez das tripas o coração para conquistá-lo - o que muitos acreditam como sendo na verdade uma busca pelo pai perdido, quando ainda era criança, vítima de uma perna amputada em decorrência da diabetes.
O casamento tortuoso - Hughes era mulherengo - contrastava com a melhor fama no meio crítico e acadêmico do poeta, que acabou por aumentar a depressão crônica em Plath e ao mesmo tempo o surgimento dos seus melhores poemas.
Desse período conturbado surgiu, por exemplo, o poema "November Graveyard". Um dos melhores poemas de Plath, foi justamente feito depois do primeiro encontro dela com Hughes - quando ele a perseguiu numa festa, tentando beijá-la a força. "Pursuit", perseguição, conta a história de uma mulher sendo "caçada" por uma pantera - influenciada por um poema de Hughes, de nome sugestivo, "Jaguar": "(...)/ Insatiate, he ransacks the land/ Condemned by our ancestral fault,/ Crying: blood, let blood be spilt/ Meat must glut his mouth´s raw wound/ (...)".
Sua busca pela totalidade das sensações pôde ser vista ainda na adolescência. O tratamento estranho dela para com a mãe e o que estava em volta fez a família colocá-la em seções de eletrochoque. O resultado foi que Plath adquiriu uma insônia aguda, ficando às vezes até três semanas sem dormir e adquirindo uma imunidade gritante à calmantes. Num verão de agosto de 53, Sylvia, escondida, tomou 40 pílulas para dormir e acabou sendo descoberta pela sua mãe dois dias depois no galpão da sua casa, sob fortes gemidos- não sem antes a mobilização da imprensa, polícia e de toda a cidade de Boston, onde vivia.
Um ano antes, Plath sentenciava seu descaso com o mundo a sua volta: "(...) to annihilate the world by annihilation of one´s self is the delude height of desperate egoism. The simple way out of all the little brick dead ends we scratch our nails against... I want to kill myself, to scape from responsability, to crawl brack abjectly into the womb", algo como pare o mundo que eu quero descer.
Em 1958, Sylvia Plath atinge seu auge em literariedade. Nesse período dois de seus poemas são aceitos, e bem pagos, pelo The New Yorker: "Nocturne" e "Mussel Hunter at Rock Harbor".
Outro ótimo poema de Plath veio das constantes lutas com seu destino torto. Pela primeira vez depois da morte de seu pai, Sylvia visita o seu túmulo, em Azalea Path, no cemitério de Winthrop. Disso, acabou surgindo uma jóia: "Electra on Azalea Path": "The day you died I went into the dirt/ Into the lightless hibernaculum (...)/ Your gate, father - your hound-bitch, daughter, friend/ It was my love that did us both to death".
Seu meio literário era rico. Teve contato com importantes publisher´s, poetas e autores da época, como T.S. Eliot. É dessa época "You´re" e "The Hanging Man", "Sleep in the Mojave Desert", "On Deck" e ainda "Two Campers in Cloud Country".
Teve sua primeira filha em abril de 1960, Frieda, nome que homenageou sua tia paterna. Nicolas, seu segundo filho, em 17 de janeiro do ano seguinte. A vinda de dois filhos num curto espaço de tempo fez ruir um casamento já praticamente condenado. Numa de suas cartas à mãe, Sylvia relata que Hughes evitava o filho recém-nascido e que muito antes confidenciou a ela que nunca quis ser pai. Se isso não bastasse, nesse período se acentuaram as escapadas de Hughes, desta vez às claras com Assia Gutmann, mulher de David Wevill, para quem haviam alugado a casa de Londres. "Event and the Rabbit Catcher" é numa clara alusão á traição de seu marido com Assia.
Paralelo à isso, é publicado seu primeiro livro, The Colossus and Other Poems, em maio de 1962, com pouca repercussão de crítica e baixa vendagem. Sylvia inicia nesse período a produção de uma novela, The Bell Jar, que conta a história de uma jovem americana na Inglaterra, que se apaixona e se casa - uma clara autobiografia.
Outro poema saído da tempestade vivida por Sylvia nesse período, veio quando um dia ateou fogo a praticamente todos os seus manuscritos e cartas, "Burning the Letters": "I made a fire; being tired/ Of the white fists of old/ Letters and their death rattle (...)".
Sua vida era, sem dúvida, feita de petardos emocionais. Num dia de outubro de 62, Hughes chega em casa para novamente partir por mais uma semana e confidencia a Sylvia que achava que ela já havia se suicidado, tamanho o descaso dele com ela, os filhos e o casamento. Dias depois, o marido de Assia, David Wevill se suicida. Assia vai então definitivamente viver com Hughes - a essa altura praticamente separado de Sylvia.
É justamente nesse período que nasce os melhores e mais consagrados poemas de Sylvia Plath, feitos em menos de um mês, entre outubro e novembro de 62: "A Secret", "The Applicant", "Daddy", "Medusa", "The Jailer", "Lesbos", "Stopped Dead", "Fever 103", "Amnesiac", "Lyonesse", "Curt", "By Candlelight", "The Tour", "Poppies in October", "Ariel", "Purdah", "Nick and The Candlestick", "Lady Lazarous", "The Couries", "Getting There", "The Night Dances", "Gulliver", "Thalidomide", "Letter in Nov" e "Death & Co". Desses, descatacam-se "Daddy", à seu pai, e "Poppies in October" e "Ariel" - os dois mais conhecidos poemas de Plath.
No fim de novembro Sylvia leva seus dois filhos de volta a Londres, se estabelecendo num antigo flat de W.B. Yets, que ela adorava. Sua novela The Bell Jar é publicada na Inglaterra, com o pseudônimo de Victoria Lucas, desta vez bem recebida.
No início de 63, entre janeiro e fevereiro, escreve mais uma batelada de excelentes poemas: "Sheep in Fog", "Child", Totem", "The Munich Mannequins", "Paralytic", "Gigolo", "Mystic", "Kindness", "Words", "Contusion", "Balloons". O último e mais completo poema de Sylvia Plath é "Edge", que conta a história de uma mulher que se acredita completa - graças a sua morte: "The woman is perfected/ Her dead/ Body wears the smile of accomplishment/ The illusion of a Greek necessity (...)/ She used to this sort of thing/ her blacks crackle and drag".
Em 11 de fevereiro de 1963, Sylvia Plath entra no quarto de seus dois filhos, com leite e pão, e veda a porta e as janelas com uma fita. Depois, desce ao andar de baixo e veda com a mesma fita a porta e as janelas da cozinha da casa em Londres. Ajoelha-se em frente ao fogão e liga o gás. É encontrada morta pela enfermeira que fazia visitas diárias.
Seis meses antes, Sylvia deixou seu testamento: "(...) outcast on a cold star, unable to feel anything but an awful helpless numbness. I look down into the warm, earthy world. Into a nest of lover´s beds, baby cribs, meal tables, all the solid commerce of life in this earth, and feel apart, enclosed in a wall of glass" - o que até para "meio" entendedor, meia palavra basta.
Mas, na verdade, seu verdadeiro testamento feio feito na noite de 5 de novembro de 1940, quando, aos oito anos, ela teve a notícia da morte de seu pai: "I´ll never speak to God again".