segunda-feira, 3 de março de 2008

Uma casa, um quintal e um pé de chicória

Os melhores não têm convicção alguma, enquanto os piores estão cheios de intensidade passional. (Yeats)

Pego esse trecho de um poema do irlandês William Butler Yeats, pra tentar servir de mote ao que me atormenta, na ligeira vida do ser humano, eu incluso.
Lembro do tempo em que eu me revoltava na sala de aula, discussões de filosofia, primeiro ano de faculdade, universidade pública, essas coisas. Tudo parecia ser mais fácil, não nego, até pela singela falta de responsabilidade em tudo que fazíamos. Éramos espectadores dos professores, e nos dávamos ao luxo de discutir o impalpável, veja só, tolice boba, nesses tempos de mercados emergentes.
Hoje, me pego aos sábados escrevendo coisas impalpáveis como essas linhas, como um exercício de volta ao tempo. Falando nisso, Paulo Francis dizia que nós matamos o tempo e o tempo nos enterra. Nos tempos atuais, estamos na verdade esperando a pá de cal derradeira, porque simplesmente perdemos a noção de tempo e espaço do que viemos fazer nesse mundo. Desconfiômetro, com o perdão da palavra.
Se pudesse lançar mão de uma figura de linguagem aqui, seria a de um navio, ao mar, sem bússola. Estamos ao mar, e vemos somente o horizonte, aquilo que enxergamos à frente. E por incrível que pareça, precisamos de tudo menos daquilo que vemos à frente. Por quê? Porque o que vemos à frente quase nunca é o horizonte desejado, aquilo que traçamos quando começamos a navegar, quando saímos do porto seguro rumo à terra desconhecida. Esperamos o impossível, e vemos à frente algo como os poemas de T.S.Eliot, mais precisamente o que The Wast Land mostrou: desilusão, amargura, revolta. Mas, enfim, só se desilude quem se ilude, darling...
Não nego que somos transformados no cotidiano, que somos frutos do meio em que vivemos. Acreditar nisso é premissa básica de sobrevivência. Mas ao mesmo tempo, um pouco de discernimento e caráter intrínseco àquilo que temos como decência moral e ética não faz mal a ninguém. Sei que essas palavras andam meio desgastadas, mas enfim, só tenho elas, vocabulário escasso, admito.
Dou um teco no marasmo e ele me empurra rumo à ruína. Diariamente me deparo com estradas que nunca estivera no mapa, mas fazer o quê? Vou andando, parando quando canso, rumo a sei lá onde. Vejo que na verdade o destino final interessa tão pouco, mais vale mesmo é o que vemos durante a travessia.
Quando saímos pra navegar, rumo a mares nunca dantes navegados, vamos nos transformando em heróis, covardes, ilustres desconhecidos. Cabe a cada um julgar o que é necessário. Sabe aquelas máscaras de Veneza? Pois é... Quando saímos em viagem, nos dão várias delas e escolhemos durante a travessia qual usar, em determinado tempo, região. Se faz calor, usamos uma, se faz frio, outra. Pra festa colocamos a melhor. Pra brigar, falar asneiras, passar a perna em alguém, trapacear, temos uma outra lá, guardadinha...
E o barco vai andando, e vamos colocando coisas neles. Carros novos, a casa desejada (se der pra por piscina, vamos colocar ué...). E o tempo vai passando, nos enterrando. Aí, velhos, fazemos o impalpável novamente: pensamos, diagnosticamos nossas próprias vidas. Eu, do meu lado, não vejo coisa mais patética do que a conversa fiada de gente velha dizendo: ?meu filho, eu daria todo o dinheiro do mundo pra voltar e fazer de novo, aproveitar a vida, ter pensado menos em trabalho, ter passado mais tempo com meu filhos...?.
Ah, faça-me o favor. Nunca desejou isso. Absolutamente nunca. Mas o tempo vai comendo pelas beiradas, vai dando corda, vai deixando o barco andar. E não avisa que logo ali, o mar acaba e a terra principia. Sábios os que podem se contentar com o espetáculo do mundo. Dinheiro, e principalmente o dos outros, vicia. Esteja atento.
Eu tenho certeza que no final dos tempos vai aparecer um anjo, alado, em volta dele terá cheiro de Dama da Noite. E ele vai chegar rindo, da nossa cara. Vai olhar no meu olho, bater no meu ombro e dizer que no fundo, o significado da vida é uma casa, um quintal e um pé de chicória.
Não entendeu? O tempo vai mostrar pra você. De um jeito, ou de outro.

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